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A musa, o autor, a personagem e a voz: pequena história amorosa da audiodescrição

Maurette Brandt

Iza é uma menina feliz, ativa e espevitada, que vive com os pais, Adélia e Aposto, e o cãozinho Dinâmico. Um dia, a garota chega em casa com uma novidade que alvoroça toda a família: o mundo da audiodescrição, que acaba de descobrir.

Em imagens com cores bem definidas e texto com fontes sem serifa, que facilitam a leitura, a obra No mundo da audiodescrição, de Felipe Monteiro – lançada em 2020, empdf inclusivo e em áudiolivro – é um verdadeiro símbolo de inclusão. Além de estar disponível para download gratuito, faz homenagens e ressalta, o tempo todo, detalhes essenciais, que fazem parte do dia-a-dia das pessoas com deficiência.

A inspiração para criar a personagem principal – uma menina preta, contagiante e que fala pelos cotovelos – veio da amiga Isadora Cabral Machado, que Felipe conheceu em 2018, na UFRJ, onde os dois foram alunos do primeiro Curso de Especialização em Acessibilidade oferecido pela instituição. De simples colegas para grandes amigos foi um passo. Daí para a parceria, como consultores de Acessibilidade, levou só mais um pulo.

  • Ah, eu fiquei toda boba quando soube! – comemora a paulista Isadora, 26 anos, abrindo um largo sorriso. – Acontece que, primeiramente, o Felipe me pediu uma consultoria para o projeto. Aí eu falei que queria ler o livro e tudo mais, né? Então, quando eu vi a menina, falei: “Que legal sua personagem, chama Iza e tal…” Foi aí que ele me contou! “Pô, Iza, então, esta personagem foi inspirada em você!” Aí eu fiquei muito boba mesmo, sabe? Fiquei bem feliz, honrada, porque o Felipe é uma pessoa muito querida, maravilhosa, um grande profissional e amigo. – A emoção foi muito muito grande – confessa Isadora. – A Iza é linda, uma gracinha! E, de verdade, tem muito a ver,

porque que ela se parece comigo mesmo – sorri. – Eu amei!

  • A Isadora é uma pessoa muito divertida, criativa e que vive se movimentando para fazer tudo ao mesmo tempo – diz Felipe. – Logo que tive a ideia de escrever o livro, senti que a Iza tinha que ser ela – inclusive no nome, que é o seu apelido de infância. À medida que eu escrevia, isso ficava cada vez mais claro para mim – revela o autor.

A cada parágrafo, o livro revela detalhes importantíssimos

– que podem até, em alguns casos, passar despercebidos para o leitor comum, mas que são essenciais para quem tem baixa visão, como o Felipe, e também para quem tem outras deficiências. – Já começa pelo fato de Iza ser uma filha preta de mãe branca e gordinha, e de um pai que é cadeirante e bom em português (o nome Aposto não foi por acaso). – O cachorrinho Dinâmico, não sei se você reparou, tem três patas – sorri Felipe. – E o melhor amigo da Iza? Adivinha quem é? O Braille, nome artístico de um garoto cego que adora dançar! – diverte-se.

Podia ficar só no impresso, mas não: Felipe logo partiu para o áudiolivro – e aí os personagens teriam que ser dublados.

– Adivinha quem foi que dublou a Iza? Fui eu mesma!!!! – comemora Isadora.

A gravação ficou a cargo de Letícia Schwartz, da empresa Mil Palavras, grande amiga de Felipe. – Eu me ofereci “sutilmente” para o Felipe, “caso ele precisasse de alguém para dublar” – ri Isadora. – Eu não entendia nada de dublagem, mas Letícia me deu um apoio incrível e eu fiquei super à-vontade para criar a voz da Iza, pra combinar com a personalidade dela – conta. – Eu fiquei maravilhada, de verdade, porque foi um trabalho muito gostoso de fazer, sabe? Toda a equipe foi maravilhosa. E ver esse trabalho concretizado, nossa! Me deu assim – como posso dizer? Sabe aquela sensação: “Caraca! Como é bom fazer parte disso!”

Choque de realidade

Músico versátil (pianista, tecladista e flautista) e professor de música há mais de 20 anos, Felipe Monteiro acumula títulos universitários, mestrados e especializações. A baixa visão foi consequência de uma meningite, contraída aos 36 anos. – Foi um choque para mim – relembra Felipe. – Eu achava que nunca mais iria poder trabalhar e nem morar sozinho… “Eu moro sozinho há anos! Como iria fazer?,” eu me perguntava.

Natural de Resende/RJ, Felipe passou quase um ano no Hospital São João Batista, em Volta Redonda, entre muitas idas e vindas. – A inflamação da meninge faz pressão e afeta não só a visão, mas também a audição e especialmente o olfato, que perdi completamente – explica. Achei que ia ficar uns dois dias no hospital, mas fiquei pelo menos uns dois meses no corredor – recorda. – Desmaiei na consulta com o neurologista; tive mais de 50 convulsões, usei fraldas, fiquei na cadeira de rodas, tive amnésia. Foi tudo muito difícil – desabafa Felipe, que narra sua forte história pessoal no segundo livro, Do teclado ao mestrado, lançado em 2021. As duas obras estãodisponíveis para download na página pessoal do autor, www.felipemonteiroconsultor.com.br.

A partir daí, o músico começou a explorar seu novo universo. – Fiz aulas de Braille, busquei os recursos disponíveis. Foi nesse processo que descobri a audiodescrição, em uma peça teatral que assisti em Goiânia/GO – conta. – Que revelação! Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti participando de um trabalho de arte! Logo quis conhecer melhor aquele universo e me aprofundar, pois isso faria – e fez! – toda a diferença na minha vida e, com certeza, na de muita gente. A partir daí eu me apaixonei por esse trabalho e me envolvi de verdade. Hoje sou consultor, além de músico – resume.

Mas afinal, o que é mesmo a audiodescrição? É um recurso que traduz imagens em palavras; assim, permite que pessoas cegas ou com baixa visão consigam compreender

conteúdos audiovisuais ou imagens estáticas, como fotografias, filmes, videoclips, peças de teatro, espetáculos de dança e muitos outros, que têm seus detalhes descritos em áudio.

– Além de criar um livro bacana, fiz questão que ele tivesse todos os recursos de acessibilidade, sobretudo a audiodescrição – destaca Felipe. – Isto quer dizer que a pessoa com baixa visão pode ouvir a descrição de todos os detalhes de suas páginas, desde a cor do fundo à cor do cabelo, das roupas, o formato das coisas e tudo o mais – detalha.

Quem baixar o livro verá que o pdf inclusivo contém, além da obra em si, o texto da audiodescrição – e que este poderá ser ouvido na versão em áudiolivro, também disponível para download.

A musa e o mundo acessível

Isadora deixou Pirassununga/SP em julho de 2018, onde iniciava uma carreira de terapeuta ocupacional, para abraçar a Acessibilidade. – A especialização da UFRJ só fez confirmar o meu sentimento de que era aquele o caminho que eu queria seguir – relata. – Então fiquei aqui pelo Rio e me engajei em várias frentes para desenvolver novas competências.

Para Isadora, a melhor parte desse trabalho é pensar, o tempo todo, em estratégias e possibilidades para promover a acessibilidade 0 sobretudo nesse mundo virtual que as pessoas vêm vivenciando cada vez mais. – A gente vai encontrando novos desafios – diferentes daquela acessibilidade concebida para um produto cultural, por exemplo, no espaço físico, né? – pontua. – Então, aqui a perspectiva é um pouco diferente. A gente às vezes

descobre algumas tecnologias que podem nos ajudar; formulamos, também, orientações que podem ajudar a criar um vídeo acessível, por exemplo – explica. – Para quem produz curtas, é importante ter todas essas orientações na própria edição, para que a acessibilidade seja feita de uma forma bem qualificada. No caso de vídeos, informações do tipo “posicione-se no meio da tela”, “fale normalmente, nem muito devagar e nem rápido”, etc., são detalhes fundamentais para garantir a acessibilidade desses conteúdos – avalia. – É bom a gente saber que está contribuindo para que mais e mais pessoas tenham acesso a todo esse conteúdo que vêm sendo produzido recentemente, com o apoio da tecnologia – orgulha-se.

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